A PEDRA É UMA MONTANHA?

O processo de construção de uma obra é apenas um fragmento na paisagem que podemos decifrar no ateliê.

Todo ateliê é imenso e não estou falando de espaços físicos, mas de generosidades vitais que permeiam a liberdade de criação, por vezes muito estranhas: como limpar a boca num guardanapo e ver na aquarela dos lábios um lago, uma cordilheira, uma casa antiga em ruínas, alguma coisa que por ventura possa atiçar o oceano nas bordas do papel. Um gesto simples no caderno de anotações é uma agulha brilhante nas sombras, uma espécie de mapa que respira o hálito diário de decisões tão importantes que testemunham, de fato, a felicidade de um grão de areia na orla da praia.

A invenção (a princípio sem paredes e janelas) dorme com alguma desconfiança nos aposentos de ateliês tão diversos, contendo ideias tão díspares, que a chave de sua existência se esconde na atmosfera especial dos materiais que compõem a semente, próxima demais da dúvida.

Quando observamos uma pedra notamos as escarpas de uma montanha, a realidade em processo nos arquivos salgados da ilusão: talvez o caminho mais claro e mais bonito para compreender como um pedaço de papel pode se tornar uma floresta ou por que um livrinho minúsculo pode encantar tanto quem se aventura a folheá-lo como uma pinha.

No fundo, o que é mais importante: tocar ou olhar?
Sentir e atirar mil soluções em direção ao ar?

No processo, decidimos o que é relevante – e o que é relevante, no momento, é espremer nuvens dentro de um saco cheio de algodão.

Ulysses Boscolo

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